A
personalidade e o humor de Ringo Starr fizeram com que o baterista
desse o toque final ao carisma dos Beatles como um conjunto. Além
disso, o vocal de Ringo, também dotado de um carisma peculiar, era
importante para complementar os álbuns e shows da banda. Sua simpatia
transparece em faixas em que ele foi o vocalista como Yellow Submarine e With a Little Help From My Friends, entre outras.
Em
sua carreira solo, Starr contou diversas vezes com composições que John
Lennon, Paul McCartney e George Harrison criaram especialmente para o
baterista cantor. Entretanto, nem todas as canções surgidas
originalmente para Ringo foram cantadas por ele. E nem todo o espaço
destinado a ele foi preenchido.
LITTLE CHILD
Composta
por John com ajuda de Paul em 1963 inspirada em canções da Motown.
Inicialmente, eles pensaram em dar esta para Ringo cantar. "Little Child
era outro esforço de Paul e meu para escrevermos algo para alguém,
provavelmente Ringo", disse John em entrevista a David Sheff em 1980.
Paul também lembrou a música na biografia Many Years From Now (Barry Miles). "Little Child
foi um bom trabalho", diz Paul. "Certas canções eram inspiradas e
seguíamos com elas. Certas canções eram tipo: Ok, vamos lá. Temos duas
horas. Música para Ringo". Porém, John e Paul decidiram cantar Little Child em dueto. Provavelmente já haviam optado por I Wanna Be your Man como sendo a faixa que Ringo cantaria no álbum With The Beatles e nos shows.
I DON'T WANT TO SPOIL THE PARTY
John
escreveu esta música durante a primeira turnê americana dos Beatles, em
agosto de 1964. Surgiu inicialmente como um número de country &
western para Ringo cantar. Porém, John não abriu mão de gravá-la com seu
próprio vocal. "Era uma canção muito pessoal", afirmou John em 1980.
Outra possibilidade é que a canção exigia vocais com notas altas.
"Tinham que ser bastante simples", explica Paul na biografia Many Years From Now.
"Ringo não tinha um grande alcance vocal. Ele podia lidar com bom
espírito se fosse uma canção simples e simpática". Assim, como o álbum Beatles For Sale seria composto também de covers, Ringo optou por cantar Honey Don't, de Carl Perkins.
Álbum "A HARD DAY'S NIGHT"
Nos sete primeiros discos dos Beatles (De Please Please Me a Revolver) havia o consenso de que cada um seria composto de 14 faixas. Mas o terceiro álbum, A Hard Day's Night,
é uma exceção. Ringo teve que se ausentar da banda para operar as
amígdalas. No dia 3 de junho de 1964, a sessão que estava destinada à
gravação da 14ª faixa do disco, provavelmente com Ringo nos vocais, teve
que ser usada para um ensaio com Jimmie Nicol, que assumiria a bateria
da banda em shows pela Holanda, Hong Kong e Austrália, até a recuperação
de Ringo. Assim, o álbum ficou com 13 faixas. Acredita-se que I'll Cry Instead
seja outra que, em algum momento, foi considerada como a canção para
Ringo cantar. Dois dias antes do ensaio com Nicol, os Beatles gravaram Matchbox,
de Carl Perkins, com Ringo nos vocais. Entretanto, estava decidido, por
insistência de John, que o álbum teria apenas composições dos Beatles. Matchbox foi lançada em um EP com Long Tall Sally, I Call Your Name e Slow Down.
Compactos Simples
É
notável a ausência de Ringo como vocalista nos compactos da banda. Este
formato ainda era considerado essencial na época. Tanto que os Beatles
tinham por costume não incluir os compactos nos álbuns, até mesmo devido
a quantidade de composições de Lennon e McCartney. De modo que já havia
disputa o suficiente entre a dupla pelo lado A, que seria o trabalhado
nas rádios. George Harrison também teve dificuldades em obter espaço nos
compactos. Sua primeira inclusão foi The Inner Light (1968), seguida de Old Brown Shoe (1969), ambas lançadas como lado B. Por fim, a rendição final: Something foi o primeiro lado A de Harrison em um single, tendo Come Together no lado B (embora ambas façam parte do álbum Abbey Road,
em ordem inversa). Para Ringo, o espaço era menor ainda nos discos. Sua
única participação como vocalista principal em compactos foi a já
citada Matchbox no EP de 1964.
IF YOU'VE GOT TROUBLE (uma exceção)
John e Paul compuseram esta especialmente para Ringo. E, de fato, foi registrada na voz de Starr. Gravada na mesma sessão de You've Got to Hide your Love Away e Tell Me What You See,
os Beatles logo se mostraram insatisfeitos com a base gravada em apenas
um take. É possível que o próprio Ringo não estivesse muito
entusiasmado com a letra, que também não era das preferidas de John e
Paul. Aparentemente, a relutância em seguir adiante com a faixa era
geral. "É a música mais estranha. Nem mesmo tenho lembrança da
gravação", disse George Harrison na época da série Anthology
reforçando que a letra não era boa. "Não me admira o fato de a música
não ter chegado a lugar nenhum", afirmou. Alguns acreditam que o
desapontamento de Ringo com a canção é perceptível quando, antes do solo
de guitarra, ele diz "rock on, anybody", algo como "manda ver, qualquer
um de vocês". Então, os Beatles desistiram de If You've Got Trouble, e Ringo sugeriu cantar Act Naturally,
gravada originalmente por Buck Owens. A faixa descartada com Ringo nos
vocais sequer foi oferecida a outro cantor ou banda, mas a gravação
apareceria frequentemente em discos piratas (bootlegs) nas décadas
seguintes, até ser lançada oficialmente em Anthology (1995/ 1996).
Álbum "MAGICAL MYSTERY TOUR"
Originalmente, a trilha sonora do filme Magical Mystery Tour
foi lançada na Inglaterra em um pacote com dois compactos, somando as
seis faixas de John, Paul e George. Nos Estados Unidos, a Capitol
Records resolveu preencher um disco completando com os compactos
lançados pelos Beatles em 1967. Somente em 1976, adotou-se mundialmente Magical Mystery Tour
como um álbum, a exemplo do americano, e, desta forma, está consolidado
nos dias atuais em CD. Das 11 faixas incluídas, nenhuma é cantada por
Ringo Starr. Além da bateria e de instrumentos percussivos, a única
contribuição vocal de Ringo, neste caso, é sua participação na
vocalização de Flying, junto aos demais companheiros de banda.
Ringo sempre teve fãs fiéis e se destacava nos filmes do grupo. Mas,
curiosamente, não lhe reservavam uma canção para cantar nos filmes. Isso
foi corrigido, de certa forma, apenas em 1968, quando o quarto longa
metragem dos Beatles, o desenho animado psicodélico Yellow Submarine foi tematizado a partir da faixa homônima cantada por Ringo.
Álbum "LET IT BE"
Ringo Starr havia, finalmente, incluido uma composição inteiramente sua na discografia dos Beatles. Don't Pass Me By existia desde 1963. Mas, somente em 1968, a banda trabalhou na canção de Ringo no longo e duplo White Album (que também inclui Good Night,
composta por John e cantada por Ringo). Animado com a perspectiva de
incluir canções de sua autoria nos discos seguintes, em janeiro de 1969,
durante as sessões que geraram o álbum e filme Let It Be, Ringo apresentou Octopus's Garden.
No filme, que estreou nos cinemas em 1970, é possível ver Ringo
cantando ao piano uma versão inicial da canção sobre o jardim dos
polvos. Também vê-se George Harrison ajudando na composição dos acordes e
até murmurando sugestões para a letra.
O clima geral das gravações de Let It Be (originalmente chamado Get Back)
não foi dos melhores. Havia um desgaste na relação dos quatro Beatles.
Yoko Ono ainda causava incômodo nas sessões. O Twickenham Studios tinha
um ambiente desconfortável. George Harrison havia se tornado um
compositor mais produtivo, porém ainda com espaço reduzido nos discos, a
ponto de abandonar a banda nesse período. Quando George retornou e as
gravações e filmagens foram transferidas para o estúdio da Apple, já era
tarde. Apesar de bons momentos entre eles, e boas músicas, algo havia
ficado para trás. Não houve nenhum tempo dedicado à Octopus's Garden no restante dos trabalhos para o disco/ filme. Let it Be
se tornou um álbum apenas em maio de 1970 com faixas predominantes de
John e Paul, duas de George e nenhuma com o vocal de Ringo. Mas Octopus's Garden seria gravada em abril e julho de 1969 para o álbum Abbey Road.
TAKING A TRIP TO CAROLINA
Esta foi outra composição que Ringo apresentou durante as gravações de Let It Be.
Ainda em estágio inicial, é possível ouvir Ringo cantando um trecho ao
piano mostrando aos demais Beatles, que não levaram a música a sério.
Esta gravação encontra-se no CD bônus que acompanha o Let It Be.. Naked
(2003). A canção jamais foi trabalhada. Inicialmente, não passava dos
versos "Taking a trip on an ocean liner/ I'm gonna get to Carolina". Na
coletânea intitulada "Ringo", do selo Discobertas, que traz artistas
brasileiros interpretando músicas de Ringo Starr, a banda Fuzzcas faz
uma versão de Taking a Trip to Carolina.
NOBODY TOLD ME
Partindo
também para a carreira solo, Ringo eventualmente recebia colaborações
de John, Paul e George durante a década de 70. Em 1980, John Lennon
voltou a compor com mais intensidade para seu retorno ao mundo da música
após cinco anos. Nobody Told Me é desta safra. Foi composta para integrar o álbum Stop and Smell the Roses
que Ringo lançaria em 1981. Em pelo menos duas gravações demonstrativas
de voz e violão, é possível ouvir John dizendo que se trata de uma
canção "para Ringo, ex-integrante dos Beatles". Em outubro de 1980, John
gravou a faixa com os músicos que o acompanharam em Double Fantasy.
No início de dezembro daquele ano, John e Ringo se encontraram pela
última vez. Após um jantar no hotel Plazza, em Nova Iorque, John
entregou uma fita com a música para Ringo. John também prometeu
participar da gravação no ano seguinte. Após o assassinato de Lennon
dias depois, Ringo decidiu não incluir Nobody Told Me em seu disco. A versão de John foi lançada em 1983 no póstumo Milk and Honey.
ALL THOSE YEARS AGO (primeira versão)
Muita
gente não sabe que este famoso tributo a Lennon, composto e lançado por
George Harrison em 1981, já existia com outra letra. Em 1980, George
escreveu a música original para o disco Stop and Smell the Roses,
de Ringo. A faixa foi gravada no estúdio de Harrison em Friar Park
entre os dias 19 e 25 de novembro de 1980, com George nas guitarras,
sintetizador e backing vocals, Herbie Flowers no baixo, Al Kooper no
piano elétrico, Ray Cooper no pandeiro e Ringo na bateria e nos vocais
principais.
Starr teve um pouco de dificuldade com os vocais que,
posteriormente, deveriam ser trabalhados novamente. Logo após o
assassinato de John Lennon em 8/12/1980, George decidiu aproveitar a
base da música já gravada alterando a letra para cantá-la como uma
homenagem a John.
George pediu que Paul e Linda McCartney e Denny
Laine acrescentassem backing vocals (o Wings ainda existia,
teoricamente), de modo que a gravação contasse com os três Beatles
sobreviventes. A música foi lançada em março de 1981 e se tornou um
sucesso. A versão original com Ringo nos vocais permanece desconhecida.
As músicas que Ringo Starr também cantou
I CALL YOUR NAME
Ringo
também emprestou sua voz para a releitura de algumas músicas dos
Beatles. Em 1990, para marcar os 10 anos sem John Lennon, foi produzido o
especial "Lennon, A Tribute" (exibido também no Brasil), onde artistas
interpretavam canções de John. Surpreendentemente, Ringo escolheu I Call Your Name.
A versão ficou boa na voz dele, que aparece cantando e tocando bateria
acompanhado de Tom Petty e Jeff Lynne, que na época faziam parte do
Travelling Wilburys. Nota: No mesmo tributo, Paul McCartney aparece
tocando um medley com Love Me Do/ P.S. I Love you, que ele apresentou no Maracanã. George Harrison não participa.
LOVE ME DO
Em 1998, Ringo lançou um de seus melhores álbuns, Vertical Man. Neste, Ringo canta uma versão de Love Me Do,
com uma notável interpretação de gaita feita por Steven Tyler, do
Aerosmith. Esta música já foi motivo de trauma para Ringo que, ainda
iniciante nos Beatles, foi impedido de tocar em uma das gravações da
faixa em 1962 quando o produtor George Martin optou pelo baterista de
estúdio Andy White, embora uma versão com Ringo na bateria também
tivesse sido lançada. Em Vertical Man, ele não apenas tomou conta da bateria como assumiu os vocais.
CHRISTMAS TIME (IS HERE AGAIN)
Esta
divertida canção de natal criada pelos Beatles em 1967 especialmente
para os membros do fã-clube oficial na época, foi lançada comercialmente
apenas em 1995 no CD single Free As A Bird, em uma versão editada. Em 1999, Ringo gravou um álbum com temas natalinos, chamado I Wanna Be Santa Claus. Entre músicas tradicionais e originais, ele incluiu sua própria versão de Christmas Time (Is Here Again). Um aceno ao passado glorioso dos Beatles revivido com fervor poucos anos antes em Anthology.
A
partir de então, os álbuns de Ringo Starr trariam sempre uma referência
explícita à diversas músicas dos Beatles, sejam citações nas letras ou
riffs de guitarra, baixo e bateria espalhados em suas gravações até
hoje. Mas, e se Ringo gravasse um CD com todas essas canções que foram
inspiradas nele? Seria interessante.